11 Mai 2018
O presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do Plano de Ação Conjunto Global, o "acordo do Irã", negociado pelo governo Obama, em 8 de maio. Esse acordo internacional entre a Grã-Bretanha, a China, a França, a Alemanha, o Irã, a Rússia e os Estados Unidos levava o Irã a abandonar um aparente programa de desenvolvimento de armas nucleares que ameaçava uma desestabilização ainda maior no Oriente. O Papa Francisco e os bispos católicos dos EUA tinham dado forte apoio ao acordo como um caminho à paz e à estabilidade em uma região perigosa.
A reportagem é de Maryann Cusimano Love, publicada por America, 09-05-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O Irã nunca teve uma bomba nuclear. Tinha um programa legal de energia nuclear, mas a forma como o programa havia sido conduzido levou a sérias preocupações internacionais de que o Irã pudesse desviar material físsil para construir uma bomba nuclear no futuro. Muitos países desenvolvidos têm as mesmas capacidades de criar uma bomba nuclear no porão: apesar de não terem armas nucleares, têm conhecimento técnico para construir uma bomba nuclear rapidamente no caso de se sentirem ameaçados.
Países como Japão, Canadá, Austrália, Alemanha, Coreia do Sul, México e Taiwan, bem como a África do Sul, o Brasil e a Argentina (Estados que desistiram das armas e dos programas nucleares) são todos os países com "latência nuclear". O acordo nuclear do Irã foi criado para desligar e inspecionar esse porão nuclear do Irã, bem como integrá-lo à economia global como um incentivo para manter-se um Estado com armas não nucleares.
O histórico empírico mostra que países com economias integradas tendem a não entrar em guerra uns com os outros, mesmo quando têm regimes diferentes e opostos, como a China e os Estados Unidos. É por isso que os Estados Unidos insistiram em ter integração econômica com a Europa depois da Segunda Guerra Mundial: pela esperança de evitar a Terceira Guerra Mundial.
O presidente Richard Nixon abriu as relações com a China comunista; o presidente George W. Bush estabeleceu relações comerciais permanentes com o Vietnã, um país comunista onde mais de 58.000 americanos morreram durante a guerra. Por gerações, o comércio internacional e a integração econômica foram bases do Partido Republicano para estabilizar relações e evitar conflitos.
O que acontece agora que os Estados Unidos deixaram o acordo do Irã? O acordo permanece em vigor entre os outros signatários. Cada um vai decidir se permanece economicamente vinculado com o Irã ou corta os laços econômicos para não sofrer retaliação dos EUA. A Rússia e a China permanecerão no acordo. Os aliados europeus vão enfrentar pressões contraditórias.
O Irã terá de decidir se quer continuar restringindo seu programa de energia nuclear e permitir inspeções internacionais intrusivas ou se aproveita a deixa de Trump e abandona o acordo. A ação de Trump é bom para os radicais iranianos, que há muito tempo argumentam que não se pode confiar que os Estados Unidos mantenham seus acordos, e que agora demonstraram que sua avaliação estava correta.
A Igreja pode ter um papel positivo para diminuir o crescimento do conflito renovado. Quando se bloqueiam políticas em nível governamental, muitas vezes a sociedade civil e os atores religiosos podem manter o diálogo entre países. A Igreja Católica tem relações diplomáticas fortes com o Irã há quase seis décadas. Há instituições de caridade católicas operando no Irã, funcionários do Vaticano e bispos católicos dos EUA encontram-se regularmente com os colegas iranianos e o Irã tem mais diplomatas na embaixada da Santa Sé do que qualquer outro país, com exceção da República Dominicana.
O Irã é um país estável em meio a uma zona de guerra massiva entre os vizinhos Iraque, Síria e Afeganistão. O novo conselheiro de segurança nacional de Trump, John Bolton, é um defensor da invasão americana ao Iraque, a que o Papa João Paulo II se opunha. Bolton há muito tempo defende um plano para levar a guerra do Iraque ao Irã, bombardeando o país e criando uma mudança de regime à força. Mas colocar lenha na fogueira das guerras nessa região é uma política terrível.
Os verdadeiros perdedores diante da decisão de ontem do presidente Trump são os jovens do Irã, altamente qualificados e capacitados, ou seja, pessoas com que os Estados Unidos deveriam estar em contato. O Irã, assim como a maioria dos países do Oriente Médio, da África e outros em desenvolvimento, é um país muito jovem. Dois terços dos iranianos têm menos de 35 anos.
Os verdadeiros perdedores diante da decisão do presidente Trump ontem são os jovens do Irã, altamente qualificados e capacitados, ou seja, pessoas com que os Estados Unidos deveriam estar em contato.
Pesquisas mostram que países com uma grande população de jovens, economia dependente de recursos naturais como o petróleo, taxa estável de crescimento econômico e histórico de conflitos têm maior propensão de cair em círculos viciosos de violência. No caso do Irã, a armadilha do conflito foi o destino dos vizinhos Iraque e Síria. Sem emprego, os jovens podem ser recrutados por agentes de violência.
O Irã vem produzindo 700.000 empregos por ano, mas não é o suficiente para manter a empregabilidade dos jovens. Era interesse dos EUA — e do resto do mundo — ajudar o Irã a diversificar sua economia e empregar esses jovens, para evitar a guerra.
Com o aumento de sanções, também aumenta o poder das organizações criminosas no país. Como a economia legal vai ao encontro da restauração das sanções, a economia ilegal deve se expandir. A decisão de Trump deve levar a um fortalecimento da economia paralela do Irã, como o tráfico de heroína.
E os trabalhadores dos EUA vão perder postos de trabalho. Trump proibiu a Boeing de vender aviões civis para as companhias aéreas iranianas, anulando um contrato de US$ 20 bilhões. Os bancos dos EUA e empresas de tecnologia também vão perder negócios, embora tenham alguns meses para encerrar contratos. A indústria de petróleo dos EUA sai ganhando, protegida da concorrência com o petróleo iraniano.
Trump está certo em observar as muitas disputas entre o Irã e os Estados Unidos e apontar que o acordo do Irã só lida com a questão nuclear. Por exemplo, o Irã e os Estados Unidos apoiam grupos violentos na Síria e no Oriente Médio, mas apoiam grupos armados diferentes. Enquanto o apoio do Irã vai para o Hamas e o Hezbollah e grupos armados que apoiam o regime de Assad na Síria, os Estados Unidos também gastam bilhões de dólares em armas e suporte a atores violentos que pressionam pela mudança de regime na Síria.
Mas depois de quase 40 anos de relações congeladas com o Irã, o objetivo do acordo nunca foi resolver todos os conflitos, mas tentar neutralizar grande parte da questão (nuclear) primeiro, criando uma dinâmica propícia para resolver outras diferenças entre as duas nações.
Não é surpreendente que Trump tenha quebrado o compromisso dos Estados Unidos com o acordo do Irã, como ele já afirmou várias vezes que faria caso fosse eleito presidente. Mas os Estados Unidos e o Irã têm muitas preocupações em comum, como combater o ISIS, estabilizar o Iraque e o Afeganistão e impedir a crise global do ópio. Com a saída do governo dos EUA do compromisso com o Irã, cabe aos agentes da Igreja e da sociedade civil recolher os cacos.
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Trump quebra o acordo do Irã. A Igreja pode ajudar a amenizar tensões? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU